terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Atualização sobre hemoglobina glicada (a1c) para avaliação do controleglicêmico e...

Atualização sobre hemoglobina glicada (a1c) para avaliação do controleglicêmico e para o diagnóstico do diabetes:aspectos clínicos e laboratoriais

Atualização sobre hemoglobina glicada (a1c) para avaliação do controleglicêmico e...

POSICIONAMENTO OFICIAL 3ª EDIÇÃO 2009
ATUALIZAÇÃO SOBRE HEMOGLOBINA GLICADA (A1C) PARA AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO E PARA O DIAGNÓSTICO DO DIABETES: ASPECTOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
Prefácio
A hemoglobina glicada, também denominada hemoglobina glicosilada ou glicohemoglobina, é conhecida ainda como HbA1C e, mais recentemente, apenas como A1C. Embora seja utilizada desde 1958 como uma ferramenta de diagnóstico na avaliação do controle glicêmico em pacientes diabéticos, a dosagem da A1C passou a ser cada vez mais empregada e aceita pela comunidade científica após 1993, depois de ter sido validada através dos dois estudos clínicos mais importantes sobre a avaliação do impacto do controle glicêmico sobre as complicações crônicas do diabetes: os estudos DCCT - Diabetes Control and Complications Trial (1993) e o UKPDS – United Kingdom Prospective Diabetes Study (1998).
Atualmente, a manutenção do nível de A1C abaixo de 7% é considerada como uma das principais metas no controle do diabetes. Os dois estudos supramencionados indicaram que as complicações crônicas começam a se desenvolver quando os níveis de A1C estão situados permanentemente acima de 7%. Algumas sociedades médicas adotam, inclusive, metas terapêuticas mais rígidas de 6,5% para os valores de A1C.
O objetivo deste Posicionamento Oficial 2009 é o de promover uma atualização sobre o papel da hemoglobina glicada na avaliação do controle glicêmico e no diagnóstico do diabetes, abordando aspectos clínicos e laboratoriais sobre esse importante recurso diagnóstico. Visa, também, definir recomendações de padronização de métodos laboratoriais devidamente validados, bem como discutir os métodos alternativos que possam ser utilizados na prática laboratorial diária para a avaliação desse importante parâmetro diagnóstico.
São Paulo, janeiro de 2009 Grupo Interdisciplinar de Padronização da Hemoglobina Glicada – A1C
4RELAÇÃO DOS REPRESENTANTES DAS SOCIEDADES MÉDICAS PARTICIPANTES
Coordenação Editorial
DR. AUGUSTO PIMAZONI NETTO Coordenador do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Hospital do Rim e Hipertensão da UNIFESP. Coordenador do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Centro de Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
Editores Médicos
DR. ADAGMAR ANDRIOLO Professor Livre-Docente de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP – Consultor Médico do Fleury – Medicina e Saúde.
DR. FADLO FRAIGE FILHO Professor Titular de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Fundação ABC – Presidente da Federação Nacional das Associações e Entidades de Diabetes (FENAD) e da ANAD.
DR. MARCOS TAMBASCIA Chefe da Disciplina de Endocrinologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Presidente do Departamento de Diabetes da SBEM e Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes.
DRA. MARÍLIA DE BRITO GOMES Professora Adjunta da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Atual Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (2008-2009).
DR. MURILO MELO Médico Patologista Clínico. Professor-Assistente do Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Diretor de Comunicações da SBPC/ML. Diretor da World Association of Societies of Pathology and Laboratory Medicine (WASPaLM). Diretor de Patrimônio e Finanças da Associação Paulista de Medicina e Diretor Médico-Científico do Total Laboratórios.
DR. NAIRO MASSAKAZU SUMITA Professor Assistente Doutor da Disciplina de Patologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor Técnico do Serviço de Bioquímica Clínica da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da FMUSP. Assessor Médico da área de Bioquímica Clínica do Fleury Medicina e Saúde.
DR. RUY LYRA Professor de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco. Atual Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
DR. SAULO CAVALCANTI Professor Emérito da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Presidente do Departamento de Diabetes da SBEM. Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes.
PARTE 1 ASPECTOS CLÍNICOS
2. Implicações clínicas dos níveis
1. Conceito de hemoglobina glicada elevados de hemoglobina glicada
3. Testes diagnósticos baseados na glicação de proteínas
4. Correlação entre o nível de A1C e os níveis médios de glicose sanguínea
5. O impacto das glicemias mais recentes é maior do que o das “mais antigas” sobre os níveis de A1C
6. Frequência recomendada para a realização dos testes de A1C
7. Níveis recomendados de A1C em populações especiais
8. Tempo para o retorno ao normal dos níveis de
A1C depois da normalização dos níveis de glicose sanguínea mediante tratamento adequado
9. A meta de <7% de A1C é aplicável a alguns métodos laboratoriais, mas não a todos os métodos disponíveis
10. A hemoglobina glicada como teste
de rastreio para o diabetes
1. Implicações clínicas na interpretação dos resultados do teste de A1C
Referências bibliográficas - Aspectos Clínicos da A1C
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
PARTE 2: ASPECTOS LABORATORIAIS
1. O papel do laboratório de patologia clínica na determinação da hemoglobina glicada
2. O que é hemoglobina glicada ou A1C? 3. O processo de formação
4. As nomenclaturas adotadas por este Posicionamento Oficial
5. Análise laboratorial • Fase pré-analítica
• Fase analítica
• Fase pós-analítica 6. Tendências Referências bibliográficas - Aspectos Clínicos da A1C
PARTE 1 ASPECTOS CLÍNICOS
1. CONCEITO DE HEMOGLOBINA GLICADA
O termo genérico “hemoglobina glicada” refere-se a um conjunto de substâncias formadas com base em reações entre a hemoglobina A (HbA) e alguns açúcares. O termo “hemoglobina glicosilada” tem sido erroneamente utilizado como sinônimo de hemoglobina glicada. O processo de “glicação” de proteínas envolve uma ligação não enzimática e permanente com açúcares redutores como a glicose, ao contrário do processo de “glicosilação”, que envolve uma ligação enzimática e instável [1].
Figura 1. Moléculas de glicose ligadas à molécula de hemoglobina, formando a hemoglobina glicada (A1C).
A HbA é a forma principal e nativa da hemoglobina, sendo que a HbA0 é o principal componente da HbA. Na prática, esta corresponde à chamada fração não glicada da HbA. Por outro lado, a HbA1 total corresponde a formas de HbA carregadas mais negativamente devido à adição de glicose e outros carboidratos.
Existem vários subtipos de HbA1 cromatograficamente distintos, tais como HbA1a1, HbA1a2, HbA1b e HbA1c. Desses todos, a fração HbA1c,
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Hiperglicemia Persistente
Complicações Diabéticas
• Polineuropatia • Retinopatia diabética
• Insuficiência Renal
• Hipercoagulabilidade
• Catarata
• Hipertensão
• Infarto do miocárdio • Acidente vascular cerebral
• Doença vascular periférica
• Amputações
• Perfusão placentária diminuída na gravidez
Sorbitol Glicação desubstâncias Hiperosmolaridade ou apenas A1C, é a que se refere à hemoglobina glicada propriamente dita, cujo terminal valina da cadeia beta está ligado à glicose por meio de uma ligação estável e irreversível.
No decorrer dos anos ou das décadas, a hiperglicemia prolongada promove o desenvolvimento de lesões orgânicas extensas e irreversíveis, afetando os olhos, os rins, os nervos, os vasos grandes e pequenos, assim como a coagulação sanguínea. Os níveis de glicose sanguínea persistentemente elevados são tóxicos ao organismo por três mecanismos diferentes: mediante a promoção da glicação de proteínas, pela hiperosmolaridade e pelo aumento dos níveis de sorbitol dentro da célula, conforme apresentado na ilustração abaixo [3].
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Hemoglobina Hb
Hba1c é a única fração que deve ser usada como um índice de glicemia média e como uma medida do risco de complicações.
Hb 0 Hemoglobina não glicada
HbA1a HbA1b HbA1c
Hb 1 Hemoglobina glicada
2. IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DOS NÍVEIS ELEVADOS DE HEMOGLOBINA GLICADA
A A1C é um componente menor da hemoglobina, sendo encontrada em indivíduos adultos não diabéticos em uma proporção de 1% a 4% dos indivíduos normais. Na prática, os valores normais de referência vão de 4% a 6%. Níveis de A1C acima de 7% estão associados a um risco progressivamente maior de complicações crônicas. Por isso, o conceito atual de tratamento do diabetes define a meta de 7% (ou de 6,5%, de acordo com algumas sociedades médicas) como limite superior acima
Figura 4. A1C e risco relativo de complicações microvasculares: DCCT [3]
Figura 5. A1C e risco relativo de complicações micro e macrovasculares: UKPDS [4]
A1C e risco relativo de complicações microvasculares: DCCT
A1C (%)
Ris co R elati v o
Retinopatia Nefropatia Neuropatia Microalbuminúria
Correlação entre a1c e o risco de compilações: UKPDS
DM Tipo 2 Redução no risco de complicações para cada 1% de redução da A1c média 50 co (%)
Microv ascular
Qualquer desfecho relacionado ao diabetes
Óbit o relacionado ao diabetes
IM fatal e não-f atal
Amputação ou óbito por DVP
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do qual está indicada a revisão do esquema terapêutico em vigor. As figuras 4 e 5 mostram o impacto do mau controle glicêmico sobre o risco relativo de complicações microvasculares no estudo DCCT e do risco de complicações micro e macrovasculares no estudo UKPDS [3,4].
3. TESTES DIAGNÓSTICOS BASEADOS NA GLICAÇÃO DE PROTEÍNAS
O processo de glicação de proteínas não se restringe apenas à ligação da glicose com a hemoglobina, formando a hemoglobina glicada. Muito pelo contrário, esse processo estende-se, praticamente, a muitas das proteínas do organismo, contribuindo para a geração dos chamados produtos finais da glicação avançada (Advanced Glycation End products = AGEs), os quais desempenham importante papel no aumento do risco das complicações crônicas do diabetes.
Do ponto de vista de recursos laboratoriais de avaliação do controle da glicemia, a glicação da albumina é outro processo decorrente da glicação das proteínas, gerando a chamada “albumina glicada”, analito considerado como melhor marcador do controle glicêmico do que a A1C, uma vez que a glicação da albumina não é afetada pela alteração no tempo de sobrevida das hemácias, como acontece no teste de A1C, o qual pode ser profundamente influenciado pela presença de processos hemolíticos e de hemoglobinas anormais. Alguns autores consideram que o uso da albumina glicada está especialmente indicado em pacientes com diabetes submetidos à hemodiálise. Entretanto, devese ressaltar que os níveis ideais de albumina glicada ainda não foram definitivamente estabelecidos e que os resultados desse teste podem ser influenciados pela presença de proteinúria maciça, doença intestinal perdedora de proteínas ou pelo tratamento com diálise peritoneal [5]. O teste de albumina glicada reflete a média dos níveis glicêmicos das últimas duas a três semanas, enquanto que o teste de A1C reflete a média dos níveis glicêmicos dos últimos dois a quatro meses. Não é um teste regularmente disponível na prática laboratorial diária.
O teste da frutosamina também tem, como base, a glicação de proteínas, sendo resultante da interação da glicose plasmática e a lisina, presente na molécula de albumina e de outras proteínas. É mais comumente utilizado do que o teste de albumina glicada, muito embora não seja facilmente disponível na prática laboratorial diária. Como a albumina, maior componente da frutosamina, tem meia-vida curta, cerca de 2 a 3 semanas, o teste da frutosamina reflete o controle glicêmico de curto prazo. A utilidade clínica do teste de frutosamina não está bem estabelecida, sendo esse recurso, geralmente, recomendado em situações nas quais o teste de A1C apresente algum problema. Além disso, não há estudos demonstrando a utilidade do teste como marcador do desenvolvimento de complicações relacionadas ao diabetes [6].
4. CORRELAÇÃO ENTRE O NÍVEL DE A1C E OS NÍVEIS MÉDIOS DE GLICOSE SANGUÍNEA
O estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) [3](4) forneceu a validação inicial da A1C como uma ferramenta de prognóstico para as complicações crônicas e, também, uma padronização do método laboratorial. Com base nos estudos DCCT e UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study) [4](5), estabeleceu-se que os níveis de A1C acima de 7% estão associados com risco maior de complicações crônicas. Por esta razão, o conceito de tratamento por objetivos define 7% como o limite superior do valor aceitável para um paciente
Tabela 1. Correspondência entre níveis de A1C E níveis médios de glicemia (mg/dL).
Nível de A1C %Estudo DCCTEstudo ADAG
Natahan, DM et al. Translating the A1C Assay into Estimated Average Glucose Values. Diabetes Care 31:1-6, 2008.
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com diabetes bem controlado. Mais recentemente, a Sociedade Brasileira de Diabetes estabeleceu a meta mais rígida de A1C menor que 6,5% para caracterização do bom controle glicêmico[7].
Em agosto de 2008, foi publicado um trabalho de revisão dos valores de correspondência entre níveis de A1C e respectivos níveis de glicemia, com base nos achados do estudo ADAG (A1c-Derived Average Glucose Study Group), revisando os valores inicialmente indicados pelo estudo DCCT [8], conforme mostra a tabela 1.
Com base nos resultados do estudo ADAG, a American Diabetes Association (ADA), a European Association for the Study of Diabetes (EASD) e a International Diabetes Federation (IDF) lançaram, em junho de 2008, uma intensa campanha de divulgação do novo conceito de Glicemia Média Estimada como uma nova forma de expressão de resultados em mg/dL para substituir a expressão usual de resultados em termos de percentual de hemoglobina glicada atualmente utilizada [8]. Para facilitar os cálculos de conversão de níveis de A1C para níveis de Glicemia Média Estimada ou desta para valores correspondentes de A1C, a ADA disponibiliza uma calculadora automática no seguinte link:
http://professional.diabetes.org/glucosecalculator.aspx. IMPORTANTE
Estudos clínicos publicados em 2008 mostraram que a variabilidade glicêmica, caracterizada pela amplitude de variação dos níveis glicêmicos nos diversos horários do dia, constitui-se em um fator de risco isolado e independente dos níveis médios de glicemia em termos de potencial de risco para a função endotelial, favorecendo as complicações cardiovasculares no paciente diabético [9,10]. Como a A1C reflete apenas o nível médio da glicemia nos últimos 2 a 4 meses, há necessidade de se avaliar, também, o aspecto da variabilidade glicêmica dos dados de glicemia. Os fabricantes de monitores de glicemia oferecem recursos informatizados para a análise dos resultados das glicemias, fornecendo os valores da glicemia média do período e do desvio padrão da amostra.
5. O IMPACTO DAS GLICEMIAS MAIS RECENTES É MAIOR DO QUE O DAS “MAIS ANTIGAS” SOBRE OS NÍVEIS DE A1C
Tradicionalmente, a A1C tem sido considerada como representativa da média ponderada global das glicemias médias diárias (incluindo glicemias de jejum e pós-prandial) durante os últimos 2 a 3 meses.
Na verdade, a glicação da hemoglobina ocorre ao longo de todo o período de vida do glóbulo vermelho, que é de, aproximadamente, 120 dias. Porém, dentro destes 120 dias, a glicemia recente é a que mais influencia o valor da A1C.
De fato, os modelos teóricos e os estudos clínicos sugerem que um paciente em controle estável apresentará 50% de sua A1C formada no mês precedente ao exame, 25% no mês anterior a este e os 25% remanescentes no terceiro ou quarto meses antes do exame [1].
Tabela 2. impacto das glicemias mais recentes versus as “mais antigas” sobre os níveis de A1C.
O impacto de qualquer variação significativa (em sentido ascendente ou descendente) na glicemia média será “diluído” dentro de três ou quatro meses, em termos de níveis de A1C. A glicemia mais recente causará o maior impacto nos níveis de A1C.
6. FREQUÊNCIA RECOMENDADA PARA A REALIZAÇÃO DOS TESTES DE A1C
A quantidade de glicose ligada à hemoglobina é diretamente proporcional à concentração média de glicose no sangue. Uma vez que os eritrócitos têm um tempo de vida de, aproximadamente, 120 dias, a medida da quantidade de glicose ligada à hemoglobina pode fornecer
1 mês antes2 meses antes3 meses antes4 meses antes
Adaptada de referência 1. Data da coleta de sangue para o teste de A1C
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uma avaliação do controle glicêmico médio no período de 90 a 120 dias antes do exame.
Em virtude dos resultados do exame fornecerem informação retrospectiva sobre dois a quatro meses precedentes, a realização de um teste de A1C, a cada três meses, fornecerá dados que expressam a glicose sanguínea média no passado recente (2 a 4 meses antes do exame).
Os exames de A1C devem ser realizados regularmente em todos os pacientes com diabetes. Primeiramente, para documentar o grau de controle glicêmico em sua avaliação inicial e, subsequentemente, como parte do atendimento contínuo do paciente.
FREQUÊNCIA RECOMENDADA DOS TESTES DE A1C
Os testes de A1C devem ser realizados, pelo menos, duas vezes ao ano para todos os pacientes diabéticos e quatro vezes por ano (a cada 3 meses) para pacientes que se submeterem a alterações do esquema terapêutico ou que não estejam atingindo os objetivos recomendados com o tratamento vigente [12].
7. NÍVEIS RECOMENDADOS DE A1C EM POPULAÇÕES ESPECIAIS
Em crianças e adolescentes [12]
As metas ideais para a A1C em crianças e adolescentes ainda não estão rigidamente determinadas, diferentemente do que ocorre com os indivíduos adultos. Com o aumento da prevalência do diabetes nos jovens e o uso crescente da concentração de A1C como indicador do controle da glicemia, é importante o desenvolvimento de níveis de referência e padrões de bom controle para essa faixa etária.
No estabelecimento dos objetivos para um bom controle glicêmico nas crianças e adolescentes, os principais aspectos que devem ser considerados são:
• Crescimento e desenvolvimento adequados.
• Baixo risco de hipoglicemia (principalmente em crianças com menos de 8 anos de idade, quando o desenvolvimento neurológico ainda não está completo).
• O nível de controle glicêmico na faixa pré-puberal também é importante para prevenir o desenvolvimento futuro de complicações crônicas do diabetes.
• Durante a puberdade, há um aumento dos níveis de A1C.
A frequência de testes de A1C na infância e na adolescência vai depender das disponibilidades locais e do nível de controle alcançado, podendo variar de 2 a 4 por ano. É aconselhável que se tenha, pelo menos, uma avaliação de A1C por ano.
A American Diabetes Association recomenda que as metas de A1C sejam definidas, também, em função dos níveis de glicemia pré-prandial, como mostra a tabela 3.
Tabela 3. metas de a1C e de níveis glicêmicos para crianças e adolescentes – American Diabetes Association – 2008 [12].
Em diabéticos idosos [13]
Nos pacientes idosos, o alvo da A1C deve ser individualizado. Os idosos em boas condições clínicas e que apresentam complicações mi-
Pré-prandialAo deitarComentáriosMeta de
A1C (%)Idade (anos)
Metas de glicemia (mg/dL)
0 - 6 6 - 12
< 7,5
100 - 180 90 - 180
110 - 200 100 - 180
• Alto risco e alta vulnerabilidade a hipoglicemias.
• Risco de hipoglicemia e risco relativamente baixo de complicações antes da puberdade
• Risco de hipoglicemia grave.
• Problemas psicológicos e de desenvolvimento.
• Meta de < 7% é razoável se puder ser atingida sem risco de hipoglicemias importantes.
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crovasculares são os que, provavelmente, mais se beneficiariam de um controle glicêmico intensivo. No entanto, os riscos de um controle glicêmico intensivo, incluindo hipoglicemia, tratamentos concomitantes múltiplos, interações entre as drogas e os seus efeitos colaterais devem ser considerados na equação do risco-benefício.
Nos adultos idosos já fragilizados, indivíduos com esperança de vida limitada e outros nos quais os riscos do controle glicêmico intensivo são maiores do que os benefícios potenciais, um nível de A1C de 8% pode ser mais apropriado.
Em gestantes com diabetes [12,14]
Gestantes com diabetes apresentam risco aumentado de aborto espontâneo e de má formação congênita fetal. A magnitude destes riscos depende, principalmente, do grau de controle metabólico do diabetes no período pré-concepcional e no 1º trimestre da gestação. A mulher diabética que pretende engravidar deve ser encorajada a atingir o melhor controle metabólico possível antes e durante a gestação. Os níveis de A1C recomendados para minimizar tais riscos também são os menores possíveis, não devendo ultrapassar o limite de 1% acima do valor normal do método. Durante a gestação, a A1C não deve ser usada como parâmetro de avaliação para eventuais alterações da conduta terapêutica devido ao longo período necessário para que os níveis glicêmicos alterados possam se refletir nos níveis de A1C observados. Durante a gravidez, é muito mais importante o controle rígido dos níveis de glicemias de jejum e pós-prandiais do que os dos níveis de A1C.
8. TEMPO PARA O RETORNO AO NORMAL DOS NÍVEIS DE A1C DEPOIS DA NORMALIZAÇÃO DOS NÍVEIS DE GLICOSE SANGUÍNEA MEDIANTE TRATAMENTO ADEQUADO
Os níveis de A1C não retornam ao normal imediatamente após a normalização dos níveis de glicose sanguínea, demorando de 8 a 10 se-
manas, aproximadamente, para serem totalmente normalizados [1], como mostra a figura 6.
Isto significa que, para a avaliação da eficácia do tratamento, os níveis de A1C deverão ser avaliados somente após um a dois meses depois do início ou da modificação da terapia. Antes disto, os níveis de A1C não refletirão o verdadeiro efeito da mudança recente do tratamento, o qual poderá ser verificado através da avaliação dos níveis de glicose sanguínea, a qual reage mais rapidamente ao início ou à alteração da terapia.
9. A META DE <7% DE A1C É APLICÁVEL A ALGUNS MÉTODOS LABORATORIAIS, MAS NÃO A TODOS OS MÉTODOS DISPONÍVEIS
Esta é uma questão muito importante: na realidade, a meta de se atingir um nível <7% foi validada para o método utilizado no DCCT, baseado em diferenças na carga iônica (HPLC = “High Performance Liquid Chromatography” representado em português pela sigla CLAE = Cromatografia Líquida de Alta Eficiência).
Com intuito de se evitar problemas na interpretação dos níveis de A1C obtidos pelos diversos métodos laboratoriais, foi criado um projeto especial: o National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), disponível no link http://w.ngsp.org/prog/index.html. Este programa promove a padronização das determinações do teste de A1C,
Figura 6. Taxa de redução de A1C em pacientes bem controlados com tratamento adequado - Adaptado de referência 1
Nív el de A1c (%)
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
em relação ao método utilizado no DCCT. Ao acessar o link, escolha a opção “Certified Methods/Labs UPDATED 1/08”. Nesta opção, estão disponíveis a lista de métodos certificados pelo NGSP (opção: List of NGSP Certified Methods) e a lista de laboratórios clínicos também certificados pelo NGSP (opção: List of NGSP Certified Laboratories).
MÉTODOS LABORATORIAIS PARA DETERMINAÇÃO DA A1C
Recomenda-se que os laboratórios clínicos utilizem, preferencialmente, os métodos de ensaio certificados pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) com rastreabilidade de desempenho analítico ao método utilizado no DCCT. Além disso, os laboratórios que dosam a A1C devem participar de programas de ensaios de proficiência implementados por entidades oficiais de patologia clínica e medicina laboratorial.
10. A HEMOGLOBINA GLICADA COMO TESTE DE RASTREIO PARA O DIABETES
Recentemente, tem-se cogitado em utilizar a hemoglobina glicada como teste de rastreio ou mesmo de diagnóstico para o diabetes como um possível substituto do teste de glicemia de jejum e do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Entretanto, os estudos têm demonstrado que a limitação dessa proposta não está relacionada ao fato de que valores altos de A1C indiquem a presença de diabetes, mas sim ao fato de que um resultado “normal” não exclui a doença. Em outras palavras, a utilização da A1C no rastreio ou no diagnóstico do diabetes seria uma opção diagnóstica com especificidade, porém, sem sensibilidade [15,16].
Em função dessa restrição, aventou-se a possibilidade da utilização do teste de A1C como complemento da glicemia de jejum, seja para o diagnóstico do diabetes ou para o rastreio dos pacientes que, efetivamente, necessitariam do TOTG para confirmação do diagnóstico. Se utilizado desta maneira, a especificidade de um valor aumentado de A1C estaria sendo aplicada a uma população já com alto risco de
apresentar intolerância à glicose em função de uma glicemia de jejum limítrofe da anormalidade [15,16].
Outro aspecto a ser considerado é o custo de realização do teste de A1C, que ainda é incompatível com sua utilização como teste de rastreio, do ponto de vista de economia da saúde.
O diagnóstico do diabetes deve obedecer às diretrizes recomendadas, as quais são definidas pelas diversas sociedades de diabetes ao redor do mundo. Existem regras muito específicas para a interpretação dos níveis glicêmicos, visando diagnosticar-se o diabetes e outras condições relacionadas, tais como o pré-diabetes.
Portanto, a avaliação dos níveis glicêmicos em condições específicas é o único método validado para o diagnóstico do diabetes. Os níveis de A1C ainda não foram validados para o propósito de diagnóstico desta condição.
É claro que um indivíduo que apresente níveis de A1C de 10% ou 1%, possivelmente, será um diabético. Mas, mesmo neste caso, para se efetuar o diagnóstico definitivo de diabetes, deverão ser seguidas as diretrizes recomendadas, com base nos níveis glicêmicos.
1- IMPLICAÇÕES CLÍNICAS NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DO TESTE DE A1C
Tendo em vista a variabilidade dos métodos laboratoriais disponíveis e, consequentemente, a ampla faixa de variação de “valores normais”, é absolutamente fundamental que o médico clínico tenha uma noção inteligente dos aspectos laboratoriais do teste de A1C. Somente assim ele poderá esclarecer suas dúvidas junto ao laboratório clínico e, desta forma, acompanhar adequadamente e interpretar corretamente os resultados dos testes de A1C.
Com alguma frequência, os resultados do teste de A1C podem não estar compatíveis com a condição clínica do paciente e/ou com os níveis efe-
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
tivos de glicemia que o paciente apresenta nos diversos horários do dia. A tabela 4 resume as principais condições clínicas que podem interferir no resultado do teste de A1C, dificultando sua correta utilização.
Para maiores detalhes sobre os métodos e as técnicas laboratoriais disponíveis, favor consultar a parte 2 deste Posicionamento Oficial 2009, que trata dos aspectos laboratoriais da A1C.
Tabela 4. Principais condições clínicas que podem interferir no resultado do teste de A1C.
Condições que promovem redução do valor real da A1C em função da diminuição do número de eritrócitos, dos níveis de hemoglobina e do hematócrito:
Condições que promovem aumento do valor real da A1C
• Anemias hemolíticas de diferentes etiologias
• Hemoglobinopatias (podem resultar em valores falsamente elevados ou diminuídos, conforme a metodologia aplicada)
• Comprometimento da medula óssea por radiação, toxinas, fibrose, tumores.
• Deficiência nutricionais de ácido fólico, vitaminas B6 e B12
• Condições que promovem aumento do número de glóbulos vermelhos e/ou do valor do hematócrito.
• Hipertiroidismo
• Queimaduras graves, com perda de líquido protéico. Leucemia
• Mieloma múltiplo
• Deficiência de eritropoietina secundária a comprometimento renal
• Intoxicação por chumbo
• Presença de grandes quantidades de vitamina C e E pode inibir a glicação da hemoglobina.
• Presença de hemoglobina carbamilada (hemoglobina quimicamente modificada e resultante da ligação da uréia à hemoglobina) ocorrendo em pacientes com insuficiência renal.
• Deficiência nutricional de ferro pode provocar aumento significativo (>2%) nos níveis de A1C.
• Presença de hemoglobina acetilada (hemoglobina quimicamente modificada e resultante da ligação do salicilato com a hemoglobina) ocorrendo em pacientes em uso de doses elevadas de ácido acetilsalicílico.
• Condições que promovem aumento do número de glóbulos vermelhos e/ou do valor do hematócrito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASPECTOS CLÍNICOS DA A1C
1- Ulrich P. and Cerami A. Protein Glucation, Diabetes, and Aging. Recent Progress in Hormone Research 2001;56:1-2.
2- Lang F. Hormones - Late Complications of Prolonged Hyperglycemia (Diabetes Mellitus) – In: Silbernagl, S. and Lang, F.; Color Atlas of Pathophysiology. New York, Thieme Stuttgart, 2000. p. 291.
3- DCCT Research Group. Diabetes Control and Complications Trial (DCCT). The effect of intensive treatment of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med. 1993; 329:977-986.
4- UK Prospective Diabetes Study Group: intensive blood glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes. Lancet 1998; 352:837-853.
5- Abe M. and Matsumoto K. Glycated Hemoglobin or Glycated Albumin for Assessment of Glycemic Control in Hemodialysis Patients With Diabetes? Nat Clin Pract Nephrol 2008;4:482-483. Disponível em: http://w.medscape.com/viewarticle/580573. Acesso em: 21 de novembro de 2008.
6- American Diabetes Association. Fructosamine Test. Disponível em: http://professional.diabetes.org/Disease_Backgrounder. aspx?TYP=6&MID=262. Acesso em: 21 de novembro de 2008.
7- Pimazoni Netto A., Wajchenberg B.L., Eliaschewitz F.G. e colaboradores. Novas Diretrizes da SBD para o Controle Glicêmico do Diabetes Tipo 2 – Posicionamento Oficial SBD nº 4. Revista Brasileira de Medicina. Suplemento Especial nº 4, setembro de 2007.
8- Nathan D.M. et al. Translating the A1C Assay Into Estimated Average Glucose Values. Diabetes Care 2008;31:1-16.
9- Ceriello A. et al. Oscillating Glucose Is More Deleterious to Endothe-
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
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13- California Healthcare Foundation / American Geriatrics Society Panel on Improving Care for Elders with Diabetes. Guidelines for Improving the Care of the Older Person with Diabetes Mellitus. Journal of the American Geriatrics Society 2003; 51(Suppl):S265-S279.
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PARTE 2
ASPECTOS LABORATORIAIS Recomendações para a determinação da hemoglobina glicada
1. O PAPEL DO LABORATÓRIO DE PATOLOGIA CLÍNICA NA DETERMINAÇÃO DA HEMOGLOBINA GLICADA
A Patologia Clínica, também denominada Medicina Laboratorial, é uma especialidade médica que visa otimizar a integração clínico-laboratorial. Os patologistas clínicos são médicos capacitados a oferecer aos demais profissionais da saúde mais do que um simples laudo de exame laboratorial, mas, também, uma consultoria completa, desde questões de ordem técnica até a interpretação do resultado.
O exame laboratorial é um importante instrumento de auxílio ao raciocínio clínico e para a definição da conduta terapêutica, constituindo-se em indicador sensível e objetivo do estado da saúde do paciente. Desta forma, o resultado de um exame laboratorial é uma informação complementar que auxilia na definição do diagnóstico, particularmente, quando este não pode ser esclarecido exclusivamente pelos dados de história clínica e exame físico. Como consequência, os exames laboratoriais são responsáveis por 60% a 70% das decisões médicas [1]. O elevado grau de confiabilidade dos exames de laboratório pode ser creditado, em parte, ao processo de evolução dos métodos laboratoriais e, também, pela incorporação de novas tecnologias, como, por exemplo, os analisadores totalmente automatizados, os quais possibilitaram a obtenção de resultados com elevado grau de exatidão, reprodutibilidade e rapidez.
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Para que um método laboratorial tenha utilidade clínica, este deve preencher alguns requisitos básicos que garantam a confiabilidade dos resultados obtidos em amostras de pacientes. São estes, a exatidão, a precisão, a sensibilidade e a especificidade.
A exatidão diz respeito à capacidade do método em apresentar resultados próximos do valor verdadeiro. A avaliação do grau de exatidão de um método em uso no laboratório pode ser feita através de um ensaio de comparação interlaboratorial, por um programa de ensaio de proficiência. Este sistema de controle da qualidade interlaboratorial consiste na comparação de resultados observados em uma mesma amostra biológica, analisada simultaneamente por diversos laboratórios, utilizando a mesma metodologia. A avaliação é realizada pelo valor médio de consenso de todos os participantes que utilizam a mesma metodologia. Os laboratórios que conseguem obter um resultado igual ou muito próximo àqueles obtidos pela grande maioria dos participantes possuem um sistema analítico com nível de exatidão adequado e comparável aos demais laboratórios. Atualmente, boa parte dos laboratórios clínicos no Brasil participa de pelo menos um programa nacional ou internacional de ensaio de proficiência. Como exemplos, podemos citar o Programa de Excelência para Laboratórios Clínicos (PELM) da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial (SBPC/ML), e o programa do College of American Pathologists (CAP), dos Estados Unidos.
A precisão revela a capacidade do método de, em determinações repetidas em uma mesma amostra, fornecer resultados próximos entre si. O grau de reprodutibilidade de um método é avaliado pelo controle interno da qualidade. Neste caso, o laboratório executa, diariamente, a análise de amostras controle, de valores conhecidos e dosadas, simultaneamente, com as amostras dos pacientes. Os valores observados não apresentarão, necessariamente, o mesmo valor numérico no decorrer dos dias, porém devem apresentar resultados muito próximos entre si, garantindo que o sistema analítico está mantendo um bom nível de reprodutibilidade dia após dia.
A sensibilidade de uma prova refere-se à probabilidade de que um resultado seja alterado na presença da doença, isto é, a porcentagem de resultados obtidos com a realização da prova, em uma população constituída apenas de indivíduos afetados da doença para a qual o teste deve ser aplicado.
A especificidade de uma prova refere-se à probabilidade de que um resultado esteja dentro do intervalo de referência na ausência de doença, isto é, a percentagem de resultados negativos obtidos com a realização da prova, em uma população constituída de indivíduos que não têm a doença para a qual o teste de ser aplicado.
Outro conceito importante diz respeito aos valores preditivos positivo e negativo de um teste. O valor preditivo positivo é definido como sendo a probabilidade de que um resultado positivo seja verdadeiro, ou seja, represente a presença da doença. Já o valor preditivo negativo refere-se à probabilidade de que um resultado negativo também seja verdadeiro, significando ausência de doença.
A história clínica e o exame físico permitem uma estimativa da probabilidade de existência de determinada doença antes da realização de um teste diagnóstico, a chamada Probabilidade Pré-Teste. Utilizando nomogramas, como o existente no “site” de internet da Società Italiana Medicina di Laboratório (w.simel.it), é possível calcular como o resultado de um teste diagnóstico, com características particulares de razão de chance (“Likelihood ratio”), afeta a Probabilidade Pré-Teste e permite uma avaliação da Probabilidade Pós-Teste. A abordagem de Medicina Laboratorial Baseada em Evidências foi adotada pela SBPC/ ML que traduziu a ferramenta italiana para a língua portuguesa.
A evolução do conhecimento médico obriga o desenvolvimento de novas metodologias e a introdução de novos parâmetros laboratoriais. Neste contexto, o laboratório de Patologia Clínica busca incorporar novos parâmetros ao menu de exames, atendendo à demanda das novas descobertas médicas.
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2. O QUE É HEMOGLOBINA GLICADA OU A1C?
O termo genérico “Hemoglobina Glicada” ou A1C se refere a um conjunto de substâncias formadas a partir de reações entre a Hemoglobina A (HbA) e alguns açúcares.
Os componentes glicados da hemoglobina são reconhecidos porque alguns deles apresentam diferenças de carga elétrica (menos cargas positivas em pH neutro) e migram mais rapidamente que a HbA nãoglicada em um campo elétrico. Foram, inicialmente, chamados de “hemoglobinas rápidas”. A mais importante dessas hemoglobinas rápidas, no que concerne ao diabetes, é a fração A1C (HbA1c), na qual há um resíduo de glicose ligado ao terminal NH2 (resíduo de valina) de uma ou de ambas as cadeias beta da HbA. Dependendo do método de análise laboratorial, a A1C corresponde a cerca de 3 a 6% da HbA1 total em pessoas normais, alcançando até 20% ou mais em diabéticos mal-controlados [2,3].
3. O PROCESSO DE FORMAÇÃO
A ligação entre a HbA e a glicose é um tipo de glicação não-enzimática, contínua, lenta e irreversível. Entretanto, a primeira fase da reação entre a glicose e a hemoglobina é reversível e origina um composto intermediário denominado pré-A1C, HbA1c lábil ou instável, aldimina ou, ainda, base de Schiff. A segunda fase resulta em um composto estável tipo cetoamina, não mais dissociável, agora denominado de HbA1c ou, simplesmente, A1C [3].
A hemácia é livremente permeável à molécula de glicose, sendo que a hemoglobina fica, praticamente, exposta às mesmas concentrações da glicose plasmática. A hemoglobina glicada se acumula dentro das hemácias, apresentando, portanto, uma meia-vida dependente da delas [3].
4. AS NOMENCLATURAS ADOTADAS POR ESTE POSICIONAMENTO OFICIAL
Os termos “hemoglobina glicada” ou “A1C” são os recomendados por esse posicionamento, mas há uma variedade de termos usados no contexto do estudo da glicação da hemoglobina e que podem ou não ter os mesmos significados. Os mais comumente vistos são: hemoglobina glicosilada, hemoglobina glucosilada, glicohemoglobina, fração rápida da hemoglobina, HbA1c, A1c e A1C, entre outros [3]. Chamamos a atenção ao fato de que a denominação mais adequada e bioquimicamente correta é hemoglobina glicada.
O National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), dos Estados Unidos, é a entidade que certifica os métodos laboratoriais rastreáveis com aquele utilizado no estudo do DCCT. Os resultados obtidos utilizando as metodologias certificadas pelo NGSP referem-se, especificamente, à fração A1C, sendo indicadas para uso na rotina laboratorial.
O termo glicosilação não deve ser utilizado, pois indica uma reação mediada por um sistema enzimático. Do ponto de vista químico, a formação da A1C baseia-se em um processo de “glicação”, pois a reação é do tipo não-enzimático entre a glicose e a hemoglobina [3] sendo, por isso, o termo correto.
No indivíduo normal a fração HbA1c representa, aproximadamente, 80% da hemoglobina A1 total [3]. As outras frações da hemoglobina A1 originam-se da ligação de outras moléculas ao aminoácido valina presente na porção N-terminal da cadeia beta da Hemoglobina A: A1a1 (frutose-1,6-difosfato), A1a2 (glicose-6-fosfato) e A1b (ácido pirúvico).
Quando o processo de glicação ocorre em outros pontos da cadeia beta ou da cadeia alfa, pode não ser detectado pelos métodos baseados na diferença de carga elétrica, resultando na fração A0 [3]. No quadro 1 estão listados os principais termos referentes ao processo de glicação da hemoglobina, bem como as respectivas definições.
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Quadro 1: Nomenclatura HbA
HbA
HbA total
HbA, HbA, HbA, HbA
HbA ou A1C
Pré-A1C
Hemoglobinas rápidas
Hemoglobina glicada
Principal componente da HbA, identificado por suas propriedades cromatográficas e de carga elétrica. Pode apresentar algum grau de glicação, contudo insuficiente para afetar as propriedades de mobilidade carga-dependente. Na prática, é considerada a fração nãoglicada da HbA.
Forma principal e nativa da hemoglobina, que é um tetrâmero formado por duas cadeias alfa e duas cadeias beta.
Formas de HbA carregadas mais negativamente devido à adição de glicose e outros carboidratos (modificações pós-translacionais). Corresponde à hemoglobina glicada total, a qual não apresenta valor clínico. Os primeiros métodos determinavam o valor da hemoglobina glicada total, em detrimento da fração HbA específica. Estas metodologias não são mais recomendadas para a dosagem da A1C.
Representam as diferentes formas químicas ou as frações da hemoglobina glicada.
Corresponde à fração da hemoglobina glicada, cujo aminoácido valina localizado na porção terminal da cadeia beta da hemoglobina A está ligado à glicose por meio de uma ligação estável e irreversível. Do ponto de vista clínico, é o componente que deve ser avaliado nos portadores de diabetes mellitus.
Molécula de HbA cujo aminoácido valina localizado na porção terminal da cadeia beta da hemoglobina A, está ligado à glicose por meio de uma ligação instável e reversível. Alguns métodos podem sofrer interferência desta fração, superestimando o resultado final da A1C.
Sinônimo de hemoglobinas glicadas. O nome deriva da característica química da molécula de hemoglobina glicada de migrar mais rapidamente na direção do anodo, durante a separação eletroforética, bem como eluir mais rapidamente, na cromatografia, quando comparadas às hemoglobinas não glicadas.
Do ponto de vista químico, corresponde a qualquer molécula de hemoglobina ligada à glicose ou a qualquer outro açúcar, sendo a reação não mediada por um sistema enzimático. Este Posicionamento Oficial utilizará o termo “hemoglobina glicada” como sinônimo de HbA ou A1C.
5. ANÁLISE LABORATORIAL
Fase pré-analítica
Variação Biológica
Vários estudos têm sugerido que a variação biológica intra-individual da hemoglobina glicada é desprezível, quando não relacionada à glicemia. Quanto à variação biológica inter-individual, não ocorrem efeitos clinicamente significativos de idade, gênero, origem étnica. Igualmente, não são descritas variações circadianas e nas diferentes estações do ano nos resultados de A1C [4].
Interferentes analíticos
Algumas hipóteses devem ser consideradas quando o resultado da hemoglobina glicada não se correlacionar, adequadamente, com o estado clínico do paciente.
• As doenças que cursam com anemia hemolítica ou estados hemorrágicos podem resultar em valores inapropriadamente diminuídos por encurtarem a meia-vida das hemácias [4,5,6,7,8,9,10,1].
• É importante ressaltar que as situações que interferem na meiavida das hemácias, na realidade, diminuem, sensivelmente, o poder diagnóstico da hemoglobina glicada em refletir a média (ponderada) dos níveis pregressos de glicose e não devem ser consideradas como interferentes diretos sobre a metodologia utilizada [9,10].
Variação biológica DA A1C Intra-individual
Inter-individual 3,4%
5,1% Fonte: w.westgard.co/biodatabase1.htm (acesso em novembro de 2008)
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• A anemia por carência de ferro, vitamina B12 ou folato pode resultar em valores inapropriadamente elevados da hemoglobina glicada [4,5,6,7,8,9,10,1].
• A presença de grandes quantidades de vitaminas C e E é descrita como fator que pode induzir resultados falsamente diminuídos por inibirem a glicação da hemoglobina [4,5,6,7,8,9,10,1].
• Hipertrigliceridemia, hiperbilirrubinemia, uremia, alcoolismo crônico e ingestão crônica de opiáceos podem interferir em algumas metodologias produzindo resultados falsamente elevados [4,5,6,7,8,9,10,1,12,13].
• Hemoglobina quimicamente modificada pode estar presente nos pacientes urêmicos, produzindo um composto denominado hemoglobina carbamilada, resultado da ligação da uréia à hemoglobina. Os pacientes que fazem uso de elevadas quantidades de ácido acetilsalicílico produzem a hemoglobina acetilada. Ambos os elementos podem interferir na dosagem da hemoglobina glicada, produzindo resultados falsamente elevados [4,5,6,7,8,9,10,1,12,13].
• A dosagem de hemoglobina glicada em pacientes portadores de hemoglobina variante heterozigótica (exemplos: hemoglobina C, S, E, D, Fetal, Graz, Sherwood Forest, Padova) resulta valores falsamente elevados ou diminuídos, conforme a metodologia aplicada [4,5,6,7,8,9,10,1,12,14,15]. Alguns métodos, baseados na cromatografia por troca iônica, podem identificar a presença de alguns tipos de hemoglobinas variantes, permitindo uma análise mais criteriosa do resultado. Os métodos que utilizam o princípio do imunoensaio não são capazes de detectar a presença das diferentes hemoglobinas variantes [4,5,6,7,8,9,10,1,12,13,14,15].
• A quantificação da hemoglobina glicada não é aplicável nas hemoglobinopatias homozigóticas, independente da metodologia utilizada, em função da ausência de hemoglobina A [4,5,6,7,8,9,10,1,12,13,14,15]. Esta condição necessita ser rastreada e confirmada pelos métodos usuais para o estudo
Quadro 2. Interferência das hemoglobinas variantes e da hemoglobina carbamilada na dosagem da hemoglobina glicada, segundo ngsp, nas diferentes metodologias (Atualizada em abril de 2008)
Abbott Architect
Axis-Shield Nycocard
Axis-Shield Afinion
Siemens Advia
Siemens DCA 2000
Beckman Diatrac
Beckman Synchron
Bio-Rad D-10 (short program)
Bior-Rad D-10 (extended program)
Bio-Rad DiaSTAT
Bio-Rad Variant A1c
Bio-Rad Variant GHb
Bio-Rad Variant I A1c
Bio-Rad Variant I Turbo
Dade Dimension
Diazyme Direct Enzymatic HbA1c
Drew Scientific DS5
Helena Glyco-Tek
Interferência (Sim/Não) Método
Traço Hb C
Traço Hb S
Traço Hb E
Traço Hb DHb F elevadaHb Carbamilada sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim não nãon ão não não não nãon ão nãon ão não não sim/não sim/não sim/não sim/não sim/não não não não não não não não não nãonão não não não nãon ão nãonãonãonão nãonãonão nãonãonão nãonãonão não não não
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Interferência (Sim/Não) Método
Traço Hb C
Traço Hb S
Traço Hb E
Traço Hb DHb F elevadaHb Carbamilada
Esta sinalização indica que não há referências na literatura.
Esta sinalização indica que os dados da literatura são conflitantes. A opção indicada em negrito representa a opinião do NGSP, baseada na revisão da literatura.
Menarini HA8140
Menarini HA8160 (Diabetes Mode)
Menarini HA8160(Thalass emia Mode)
Microgenics Bayer A1c Now Olympus
Ortho-Clinical Vitros
Pointe Scientific Hemoglobin A1c
Primus Boronate Affinity HPLC
Bio-Rad Deeside
Randox Haemoglobin A1c
Roche Cobas Integra
Roche Cobas Integra Gen2
Roche Tina-quant I
Roche Unimate
Tosoh A1c 2.2 Plus
Tosoh G7 Tosoh G8 sim sim/não sim sim sim sim sim sim sim sim sim sim simsim sim sim sim sim sim sim sim/não sim/não não nãonãonão não não não não (<30% HbF) não nãonãonãonão não não não não nãonão não não não não não nãonão não não nãonão sim sim nãonão não não não nãonão não não não não simnão nãonão
das hemoglobinopatias [9,10,12]. Nestas situações, exames alternativos, tais como frutosamina e albumina glicada, podem ser úteis [8,9,10,12].
• A base de Schiff, que é a fração lábil da hemoglobina glicada, pode representar importante interferente na dosagem, na dependência do método utilizado. O laboratório deve se certificar da potencial interferência deste composto na metodologia adotada. Para as metodologias afetadas pela fração lábil, deve-se seguir, rigorosamente, as instruções do fabricante para remoção deste interferente [3,4,9,10].
Os laboratórios devem conhecer os efeitos das interferências potenciais na metodologia utilizada, incluindo as hemoglobinas variantes, os derivados quimicamente modificados (hemoglobina carbamilada e acetilada) e outros fatores, como presença de vitamina C e E, anemia por deficiência de ferro, vitamina B12 e folato, hipertrigliceridemia, hiperbilirrubinemia, alcoolismo crônico, ingestão crônica de opiáceos, os quais podem afetar os resultados do teste de A1C.
Ao selecionar o método de ensaio, os laboratórios devem considerar o risco potencial das interferências e a prevalência das moléstias no grupo populacional do paciente avaliado.
Coleta, processamento e conservação das amostras
Preparo do paciente - O paciente não precisa estar em jejum, entretanto resultados mais acurados são obtidos em amostras isentas de turbidez decorrentes da hipertrigliceridemia. Por esta razão, é recomendada a coleta de sangue, pelo menos, duas horas após a ingestão de alimentos [9,10].
Coleta - O sangue pode ser obtido por punção venosa ou por punção capilar. Os tubos devem conter o anticoagulante especificado pelo fabricante (EDTA é o mais usado). Em alguns sistemas, a heparina é aceitável [9,10].
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Estabilidade - Em geral, o sangue total é estável por uma semana sob refrigeração (2 a 8ºC). O sangue total armazenado a -70ºC é estável por pelo menos 18 meses [3,9,10].
O armazenamento a -20ºC, por longos períodos de tempo, ocasiona o aumento da HbA1a+b e, portanto, não é recomendável [3,9,10].
Processamento das amostras - Instruções detalhadas para o processamento da amostra devem ser fornecidas nas instruções de uso, pelo fabricante do conjunto diagnóstico ou sistema analítico. A formação da A1C é precedida pela formação de base de Schiff intermediária chamada “pré-A1C” ou A1C lábil. Essa base é formada rapidamente no evento de hiperglicemia aguda e interfere com alguns ensaios, principalmente aqueles baseados em carga elétrica [3,9,10]. Os laboratórios devem seguir as instruções do fabricante para a remoção dos intermediários lábeis.
Padronização da International Federation for Clinical Chemistry (IFCC) para dosagem da hemoglobina glicada
A International Federation for Clinical Chemistry (IFCC) desenvolveu um método de referência para a dosagem da A1C [16,17]. Na primeira etapa, a hemoglobina é clivada em seus peptídeos pela enzima endoproteinase Glu-C, e, em uma segunda etapa, os hexapeptídeos N- terminais glicados e não-glicados obtidos são separados por HPLC e, a seguir, quantificados ou por espectrometria de massas com ionização por nebulização elétrica (ESI/MS – Electrospray Ionization/Mass Spectrometry) ou por eletroforese capilar com detecção UV. Ambos os princípios originam resultados idênticos. Os calibradores consistem de misturas de HbA0 e HbA1c altamente purificadas. O desempenho analítico do método foi avaliado por uma rede de laboratórios de referência da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Devido à sua alta
especificidade, os resultados obtidos por esse método são menores que os obtidos por metodologias comerciais calibradas contra métodos designados ou comparativos, como o usado no DCCT [16].
Uma equação entre as metodologias IFCC e NGSP foi estabelecida, conforme descrita abaixo [16]:
NGSP = (0,915 x IFCC) + 2,15
Os resultados da hemoglobina glicada obtidos pela metodologia IFCC são 1,5 a 2,0% mais baixos quando comparados aos resultados dos métodos certificados pelo NGSP [16,17].
Até o presente momento, o NGSP não adotou o método do IFCC como a referência para fins de rastreabilidade. Assim sendo, o NGSP mantém, como método de referência, aquele rastreável ao estudo do DCCT.
Importante frisar que, mesmo que o NGSP adote a metodologia proposta pelo IFCC como padrão ouro para a medida da hemoglobina glicada, todos os métodos atualmente em uso, certificados pelo NGSP, continuam válidos para uso em rotina. Nesta nova condição, os métodos em uso serão mantidos, porém devidamente harmonizados em relação à nova referência. Concomitantemente, conforme proposta da IFCC, os métodos atuais passariam a ser calibrados por meio de padrões sintéticos constituídos por hemoglobina glicada e não-glicada [18].
Método utilizado no estudo do DCCT e certificação NGSP
Devido ao impacto positivo que a padronização interlaboratorial dos resultados de hemoglobina glicada representa no cuidado aos pacientes portadores de diabetes, o American Association for Clinical Chemistry Standards Committee criou o GHB Standardization Subcommittee, em abril de 1993. O subcomitê definiu que o método de ensaio usado no estudo do DCCT (HPLC) fosse adotado como método de referência interino até o estabelecimento de um método de referência definitivo. O
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subcomitê também propôs a padronização dos conjuntos diagnósticos comerciais disponíveis em relação ao método de referência do estudo DCCT, com o uso de amostras de sangue nativas. O National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), dos Estados Unidos, realiza os estudos comparativos entre diferentes metodologias comerciais com o método de referência do estudo DCCT (HPLC). Os métodos certificados pelo NGSP apresentam resultados de A1C equivalentes aos obtidos com o método aplicado no estudo DCCT [9,10,19].
Critérios para escolha do método adequado na rotina laboratorial
Existem diversas metodologias disponíveis, comercialmente, para a realização do teste da hemoglobina glicada na rotina laboratorial. Cabe ao laboratório selecionar a metodologia de melhor custo/efetividade, considerando os seguintes aspectos:
• Necessidade do registro do conjunto diagnóstico junto à ANVISA.
• Este Posicionamento Oficial recomenda o uso de métodos certificados pelo NGSP.
• Se a opção recair por um método não certificado pelo NGSP, este deverá, preferencialmente, dosar a fração HbA1c.
• A escolha da metodologia deverá considerar a prevalência, principalmente, das hemoglobinopatias e da insuficiência renal na população atendida pelo laboratório.
Recomenda-se que os laboratórios clínicos utilizem os métodos certificados pelo NGSP e rastreáveis ao estudo do DCCT. O laboratório deve participar ativa e regularmente de um programa de ensaio de proficiência específico para a hemoglobina glicada.
No “site” do NGSP (w.ngsp.org) estão descritas as informações referentes ao processo de certificação e uma lista, mensalmente atualizada, dos conjuntos diagnósticos comerciais certificados. Os certificados têm validade de um ano [20].
Fundamentos metodológicos para dosagem de hemoglobina glicada
Os métodos atualmente disponíveis para dosagem da hemoglobina glicada se baseiam em um dos seguintes fundamentos [3,9,10,1,21]:
Na diferença na carga iônica: • Cromatografia de troca iônica (HPLC).
• Microcromatografia em minicolunas contendo resina de troca iônica; Eletroforese em gel de agarose.
Nas características estruturais:
• Cromatografia de afinidade (HPLC) utilizando derivados do ácido borônico.
• Imunoensaio turbidimétrico.
Na reatividade química:
• Método colorimétrico com formação do 5-hidroximetilfurfural (5HMF).
Conjuntos diagnósticos para a dosagem de hemoglobina glicada
No quadro 3, atualizado até dezembro de 2008, estão listados alguns fabricantes dos conjuntos diagnósticos para a dosagem de hemoglobina glicada e os respectivos métodos, sendo que vários destes estão disponíveis no mercado brasileiro.
Testes rápidos para automonitoração da hemoglobina glicada
Os métodos rápidos, certificados pelo NGSP, podem ser indicados, mas no Brasil ainda são pouco difundidos, particularmente, em razão do custo elevado.
Desempenho analítico Recomenda-se que o laboratório mantenha um programa de contro-
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Quadro 3: alguns conjuntos diagnósticos para a dosagem da
hemoglobina
A1C
A1C A1C A1C
HbA1 total HbA1 total HbA1 total HbA1 total HbA1 total A1C A1C A1C
HbA1 total A1C A1C A1C A1C
A1C
A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C A1C
Método Fabricante ParâmetroC ertificado pelo NGSP
Afinidade (ácido borônico)
Cromatografia de troca iônica
Enzimático Eletroforese
HPLC Troca iônica
HPLC Cromatografia de afinidade (ácido borônico)
Imunoensaio por Turbidimetria
Sim Sim Sim Sim Não Não Não Não Não* Sim Sim Não Não Sim Sim Sim Sim
Sim
Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim** Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Axis-Shield PoC As Bio-Rad Deeside Infopia Co, Ltd Quotient Diagnostics Ltd Doles INLAB In Vitro Katal Labtest Arkray Diazyme Laboratories USA Sebia CELM A.Menarini Diagnostics Arkray Bio-Rad Laboratories Tosoh Corporation
Primus Diagnostics
Abbott (reagentes da Seradyn, Inc) Arkray Axis Shield Bayer Health Care – A1C Now Beckman Coulter DiaSys Diagnostic Systems Home Access Health Corporation Horiba ABX Labtest A1C MEC Dynamics Corporation Olympus A1C Ortho-Clinical Diagnostics Pointe Scientific, Inc. Roche Diagnostics Seradyn, Inc. Siemens Thermo Fisher Scientific Ou
Para atualização dos métodos certificados pelo NGSP consultar o “site”: w.ngsp.org * Conjunto diagnóstico da empresa Labtest denominado Hemoglobina Glicada Ref.17
** O conjunto diagnóstico da empresa Labtest denominado HbA1c Turbiquest – Ref. 301 traz a seguinte informação nas instruções de uso: “O método é certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) para Pointe Scientific, Inc., com rastreabilidade ao método de cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC) utilizado no estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT)”
le interno da qualidade da dosagem de A1C e que estabeleça como meta um coeficiente de variação interensaio inferior a 5%, embora o percentual desejável seja inferior a 3%. O laboratório deve utilizar dois níveis de amostras controle. Recomenda-se, ainda, que o laboratório participe ativamente de programas de proficiência, como o PELM - Programa de Proficiência em Ensaios Laboratoriais, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, com a finalidade de monitorar a exatidão e o cálculo do erro total. Informações mais completas sobre o PELM poderão ser obtidas no seguinte “site”: w. pelm.com.br.
Requisitos da qualidade - coeficientes de variação
Os laboratórios devem atingir níveis inferiores a 5% (idealmente inferiores a 3%) para o coeficiente de variação interensaio nos métodos de ensaio para A1C. Recomenda-se que pelo menos duas amostras controle sejam avaliadas como uma medida do desempenho do ensaio. Os laboratórios devem confirmar os resultados de amostras abaixo do limite inferior do intervalo de referência ou acima de 15%. Se a base de Schiff (fração lábil da hemoglobina glicada ou pré-A1C) interferir com o método de ensaio, esta deve ser removida antes do ensaio, conforme orientação do fabricante do conjunto diagnóstico.
Critérios para a repetição do ensaio laboratorial
Os resultados abaixo do limite inferior da referência necessitam de repetição para confirmação. Se o resultado baixo for confirmado, sugere-se que o laboratório faça contato com o médico solicitante para obtenção de dados adicionais do paciente acerca de suspeita de doença hemolítica, hemorragia ou hemoglobina variante.
Os resultados acima de 15% devem ser repetidos e, se confirmados, a hipótese da presença de hemoglobina variante deve ser considerada. Nestas circunstâncias, o laboratório pode analisar esta amostra por uma segunda metodologia, menos sujeita à interferência, ou realizar a pesquisa de hemoglobina variante [4,9,10,1].
Posicionamento Oficial 2009 - Aspectos Clínicos e Laboratoriais
Intervalo de referência
Para as metodologias certificadas pelo NGSP, o intervalo de referência deve situar-se entre 4% a 6%, com variação inferior a 0,5% [9,10,18]. A utilização de metodologia certificada pelo NGSP com rastreabilidade de desempenho analítico em relação aos estudos do DCCT permite adotar o valor inferior a 7% como meta para o efetivo controle do paciente diabético, conforme a American Diabetes Association (ADA) ou 6,5% conforme a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Importante ressaltar que este valor não é de referência, mas um valor acima do qual os riscos de desenvolvimento de complicações micro e macrovasculares da doença são significantemente elevados [4,6,7,9,10,1,13,2,23,24,25].
Laudo laboratorial
O laudo laboratorial deve informar o tipo de material analisado, a metodologia utilizada e o intervalo de referência.
Sugere-se acrescentar no laudo um texto que explique a importância dos pacientes portadores de diabetes em alcançar a meta de 7% (ADA) ou 6,5% (SBD) para A1C, conforme descrito a seguir.
Texto sugerido para expressão de resultados dos testes de A1C
“O método utilizado nesta dosagem de hemoglobina glicada é certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program – USA (NGSP). A meta a ser alcançada para o efetivo controle do diabetes mellitus deve ser inferior a 7%, conforme a American Diabetes Association ou inferior 6,5% (sem aumentar o risco de hipoglicemia), conforme a Sociedade Brasileira de Diabetes (em adultos)”
6. TENDÊNCIAS
Em setembro de 2007, algumas das mais importantes instituições mundiais ligadas ao estudo do diabetes, a American Diabetes Association - ADA, a European Association for the Study of Diabetes - EASD, a International Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine – IFCC e a International Diabetes Federation - IDF, publicaram um documento de consenso acerca da padronização mundial para dosagem da A1C [17].
Neste documento foram aprovadas as seguintes propostas:
• Os resultados da A1C necessitam de uma padronização universal, incluindo a definição de um método de referência e de uma maneira adequada para expressão dos resultados.
• Neste contexto, o método proposto pelo IFCC serviria como âncora para padronização da medida do A1C. Os métodos atualmente disponíveis para uso no laboratório clínico continuariam válidos, porém necessitariam ser referendados pelo método do IFCC.
• A hemoglobina glicada deveria ser expressa universalmente na unidade preconizada pelo IFCC e pelo NGSP:
• Unidade IFCC: mmol de A1C / mol de hemoglobina (mmol/ mol).
• Unidade NGSP: Na forma percentual (%), sendo o valor corrigido pela equação IFCC-NGSP.
• A partir da hemoglobina glicada dosada, deve ser calculado um valor correspondente à glicose média estimada através de uma equação matemática [26,27]. Este resultado de glicose média seria incorporado no laudo do exame, visando facilitar a interpretação clínica do resultado de A1C.
• O grupo de estudo denominado A1c-Derived Average Glucose (ADAG), patrocinado pelo IDF, ADA e EASD, determinou uma fórmula para o cálculo da glicemia média estimada [27]:
Glicose média estimada (mg/dL) = 28,7 x A1C – 46,7,
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sendo a equação válida apenas para métodos rastreáveis ao estudo do DCCT.
• Finalmente, o laudo do exame de hemoglobina glicada seria composto por três resultados: A1C na unidade de concentração definida pelo IFCC (mmol/mol), A1C na unidade preconizada pelo NGSP (%) e o valor da glicose média estimada (mg/dL).
O Grupo Interdisciplinar de Padronização da Hemoglobina Glicada é favorável às propostas do documento de consenso acerca da padronização mundial para dosagem da A1C. No entanto, entende que a aplicação integral das propostas aprovadas neste consenso dificulta a consolidação do conceito acerca da importância da hemoglobina glicada entre os médicos e pacientes. Assim sendo, este Posicionamento Oficial sugere aos laboratórios clínicos a manutenção da unidade NGSP nos resultados de hemoglobina glicada, sem a correção pela equação IFCC/NGSP. Já a incorporação do valor da glicose média estimada deve ser estimulada, visando facilitar o entendimento e a interpretação do resultado da A1C.

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