domingo, 22 de dezembro de 2013

GLAUCOMA!!!

ENTREVISTA

GLAUCOMA

Dr. Alberto Betinjane é médico oftalmologista, chefe do setor de glaucoma congênito do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
A córnea é uma membrana fina e transparente que recobre a frente do globo ocular. Através da córnea,  é possível ver a íris e a pupila, que se dilata no escuro e se fecha sob a ação da luz, como o diafragma de uma câmara fotográfica. Quando os raios luminosos provenientes do objeto alcançam a pupila, encontram uma lente, o cristalino, que os projeta contra a retina.
A área entre a córnea e a íris chama-se câmara anterior do olho, e a área entre a íris e o cristalino, câmara posterior do olho. A câmara anterior contém um líquido, o humor aquoso, produzido na região do corpo ciliar que abrange íris, pupila, cristalino e músculos. Depois de preencher a câmara anterior, o humor aquoso escoa especialmente por um pequeno canal ou pelas veias ciliares.
A circulação do humor aquoso, que vai sendo produzido e eliminado, é importante para manter a pressão ideal dentro da câmara anterior. Se por algum motivo ocorrer uma obstrução e o líquido ficar represado, a pressão intraocular aumenta e pode prejudicar a visão, como acontece nos casos de glaucoma.
O QUE É GLAUCOMA
Drauzio – O que caracteriza essa doença chamada glaucoma?
Alberto Betinjane – Glaucoma é uma doença ocular causada principalmente pela elevação da pressão intraocular que provoca lesões no nervo ótico e, como consequência, comprometimento visual. Se não for tratado adequadamente, o glaucoma pode levar à cegueira.
Drauzio  Por que ocorre esse aumento de pressão dentro da câmara anterior do olho?
Alberto Betinjane – Não existe uma causa bem definida para explicar por que isso acontece. Basicamente, a área de drenagem do humor aquoso deixa de funcionar adequadamente e o líquido fica represado dentro do olho.
Existem vários tipos de glaucoma. Para alguns deles, há como explicar o aumento da pressão intraocular; para outros, não. O glaucoma crônico simples ou glaucoma de ângulo aberto, que representa mais ou menos 80% dos casos e incide nas pessoas acima de 40 anos, pode ser explicado por uma alteração anatômica e citológica que, com o passar dos anos, ocorre na região do ângulo da câmara anterior. Ela impede que o humor aquoso saia normalmente e isso aumenta a pressão intraocular.
Sintomas
Drauzio – Quais são os primeiros sintomas dessa doença?
Alberto Betinjane – Esse é um aspecto que merece ser colocado. No tipo mais comum, o glaucoma de ângulo aberto, não há sintomas. A visão é normal até que a doença tenha atingido uma fase muito avançada. A pessoa não percebe que a doença está progredindo. Algumas vezes, pode relatar que sente um pouco de dor de cabeça, mas nada além disso. Geralmente, o diagnóstico é feito num exame de rotina, quando ela vai ao oftalmologista para trocar os óculos, por exemplo.
Glaucoma é uma doença traiçoeira, porque é assintomática no início. Só provoca baixa visual em fase mais avançada.
Drauzio – O olho que começa a lacrimejar pode ser sinal de glaucoma como muita gente acha?
Alberto Betinjane – Não tem nada a ver, porque as alterações do líquido interno não se manifestam externamente. Volto a repetir que a pessoa não sente absolutamente nada de diferente nos olhos e só vai ao médico quando acha que está enxergando mal. A falta de controle periódico pode resultar num diagnóstico tardio de glaucoma, quando pouco pode ser feito para evitar o agravamento progressivo da doença que pode levar à perda da visão.
Drauzio – Em que faixa de idade o glaucoma aparece com mais frequência?
Alberto Betinjane – De modo geral, ocorre com mais frequência a partir dos 40 anos, mas pode ocorrer em qualquer faixa de idade, dependendo da etiologia, isto é, da causa que provocou a pressão intraocular mais elevada.
HERANÇA FAMILIAR
Drauzio – Existe concentração maior dessa doença em algumas famílias?
Alberto Betinjane – O caráter hereditário é muito importante para o desenvolvimento do glaucoma, particularmente do glaucoma crônico. Pessoas que têm familiares com a doença correm maior risco do que aquelas que não têm e exigem cuidados especiais. Principalmente depois dos 40 anos, devem consultar o médico e fazer exames com regularidade, mesmo que enxerguem bem. Como já disse, o glaucoma não provoca sintomas no início e pode progredir lenta ou rapidamente. No entanto, a visão que for perdida, não será mais recuperada.
EVOLUÇÃO DO QUADRO
Drauzio – Qual é a evolução mais comum do glaucoma?
Alberto Betinjane – Quando a pessoa percebe a baixa visual, a lesão já é extremamente grave. De modo geral, a perda da visão é progressiva e lenta, mais periférica do que central, mas a pessoa continua enxergando e, se for fazer um teste para um concurso público ou para renovar a carteira de motorista, será aprovada normalmente. É preciso muita sensibilidade para perceber o comprometimento em determinada área do campo visual, quando a área central não está prejudicada.
Drauzio – No Brasil, existe uma estimativa a respeito do número de pessoas com glaucoma?
Alberto Betinjane – Infelizmente, não existe um estudo epidemiológico bem feito. O Brasil é muito grande e os estudos têm levado em conta apenas algumas regiões. Podemos estimar, porém, que em torno de novecentas mil, um milhão de pessoas sejam portadoras de glaucoma.
Drauzio – Existe uma distribuição geográfica predominante?
Alberto Betinjane – Não existe nada certo a esse respeito. Talvez porque, nas regiões mais distantes, as pessoas tenham dificuldade de acesso ao médico, a incidência do glaucoma pareça maior e a doença, mais grave. Em áreas em que é possível fazer exames preventivos de rotina, o glaucoma pode ser detectado precocemente e controlado antes de provocar lesões no nervo ótico e perda visual.
GLAUCOMA NA INFÂNCIA
Drauzio – Crianças podem ter glaucoma?
Alberto Betinjane – Crianças podem ter o chamado glaucoma congênito ou glaucoma infantil. O tipo mais comum é o glaucoma congênito primário que se instala logo após o nascimento, ou a criança já nasce com alterações no olho provocadas por hipertensão intraocular que ocorreu durante a gestação. As manifestações clínicas aparecem no decorrer do primeiro ano de vida e se caracterizam por globo ocular aumentado e alterações na transparência da córnea que fica branco-azulada, como se uma membrana estivesse cobrindo o olho.
É bom que se diga que glaucoma congênito é uma doença rara. Nos centros de referência, o número de casos é grande porque para eles convergem grande parte das crianças com o problema.
Drauzio – Por que o olho da criança aumenta de tamanho?
Alberto Betinjane – O olho da criança reage à pressão alta de maneira um pouco diferente. Ele se distende mais e aumenta de tamanho. Muitas vezes, um olho grande e bonito pode ser sinal de glaucoma se instalando. Portanto, é preciso cuidado com os olhos da criança que são um pouquinho maiores do que o normal, porque isso pode estar relacionado à hipertensão ocular.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Drauzio – Feito o diagnóstico, qual a conduta indicada para esses pacientes?
Alberto Betinjane – Nem sempre podemos definir que a pessoa tem glaucoma numa consulta, porque a pressão alta intraocular pode estar relacionada com outros problemas de saúde. De modo geral, porém, no que se refere ao glaucoma, dois sinais merecem a atenção: pressão intraocular acima da média e alterações no nervo ótico perceptíveis no exame de fundo de olho.
Definido o diagnóstico, a indicação primeira é o tratamento clínico à base de colírios. Existem algumas drogas por via oral que só são usadas em casos emergenciais. As doses iniciais de colírios costumam ser mais brandas para avaliar até que ponto a pessoa reage à sua aplicação. Às vezes, porém, associam-se duas ou três medicações diferentes para baixar a pressão a níveis que consideramos ideais para aquela pessoa em particular. É a chamada pressão-alvo, que varia de uma pessoa para outra. Nem sempre pressão mais baixa assegura que a doença não vá avançar.
Drauzio – Os colírios devem ser usados pela vida toda ou, depois de algum tempo, o tratamento pode ser interrompido?
Alberto Beitnjane – Alguns tipos de glaucoma estão associados a distúrbios que requerem tratamento específico. Cessada a causa, a pressão intraocular regride e o problema visual desaparece. A medicação é usada por prazo curto enquanto se resolve a outra situação que provocou o glaucoma.
Já o glaucoma crônico, o tipo mais comum da doença, exige o uso de colírios pela vida toda, porque não tem cura. Pode ser controlado por meio de medicação, cirurgia ou raio laser, mas o paciente precisa ser mantido sob controle ininterruptamente.
ADESÃO AO TRATAMENTO
Drauzio – Problemas crônicos de saúde que exigem o uso diário de medicamentos por toda a vida são mal recebidos pelos pacientes. Por exemplo, diabetes e hipertensão arterial costumam dar problemas de aderência ao tratamento. A pessoa esquece de tomar os remédios ou acha que o problema desapareceu e suspende a medicação. Imagino que não seja muito diferente com os doentes com glaucoma que precisam usar colírios regularmente. Quais são os problemas práticos que vocês enfrentam?
Alberto Betinjane – Essa é uma questão importantíssima. Como o glaucoma não provoca sintomas, a pessoa pode não se dar conta da gravidade do problema. Além disso, a falta de aderência ao tratamento pode estar associada a outros fatores, principalmente a fatores econômicos, porque os remédios são muito caros e a maior parte da população brasileira tem baixo poder aquisitivo.
Por outro lado, a ausência de sintomas faz com que o paciente se esqueça de pingar o colírio adequadamente. Em certas situações, é necessário pingar dois ou três colírios por dia, com intervalo de três a quatro horas entre as aplicações, o que dificulta a aderência.
Infelizmente, com isso a doença avança e a pessoa só tem noção de sua gravidade quando a lesão está muito avançada.
Drauzio – Existem alguns mitos a respeito do glaucoma. Fala-se que não se deve levantar peso nem fazer força, pentear os cabelos e que o consumo de alguns alimentos é contraindicado. O que há de verdade nessas crenças populares?
Alberto Betinjane – Na verdade, o portador de glaucoma pode levar vida normal, sem deixar de lado coisas de que gosta com medo de estar agravando a doença. Não existem estudos para que se possa afirmar com segurança o que é bom ou ruim para esses pacientes. Sabe-se que a atividade física pode ajudar a diminuir a pressão intraocular.
Alguns medicamentos indicados para outras doenças podem interferir na pressão interna dos olhos, se usados por período longo. É o caso da cortisona, por via oral ou sob a forma de colírio, que pode alterar a pressão intraocular.
Drauzio – Que outros fatores podem aumentar a pressão intraocular?
Alberto Betinjane – Fumo e álcool em excesso são sempre contraindicados. Na verdade, eles não agem diretamente sobre a pressão intraocular, mas podem atuar na circulação sanguíneaomo o glaucoma resulta de um balanço da pressão intraocular com a perfusão do sangue no fundo do olho, na cabeça do nervo ótico que é chamada de papila ótica, a circulação deficiente nessa região pode causar dano visual.
Drauzio – Além da cortisona e seus derivados, existem outros medicamentos que podem agravar quadros pré-existentes de glaucoma?
Alberto Bertinjane – No caso do glaucoma crônico, também chamado de glaucoma simples ou glaucoma do ângulo aberto, a maioria dos medicamentos tem pouca influência. No caso do glaucoma do ângulo estreito, que é o ângulo da câmara anterior, a dilatação da pupila estreita mais ainda esse ângulo e a drenagem do humor aquoso fica difícil. Medicamentos que agem no sistema nervoso autônomo podem fazer com que a pupila se dilate comprometendo o escoamento do humor aquoso. Por exemplo: de modo geral, os antiespasmódicos contêm uma substância que pode causar pequena dilatação da pupila e, dependendo da anatomia do olho, elevar sua pressão interna por retenção do humor aquoso.
CONTROLE PERIÓDICO
Drauzio – Há como evitar a instalação do glaucoma?
Alberto Betinjanne – Não há o que se possa fazer para evitar o glaucoma, mas podemos evitar que ele se instale de maneira agressiva, fazendo exames periódicos com um médico oftalmologista.
Drauzio – Com que frequência devem ser feitos esses controles?
Alberto Betinjane – Nas pessoas acima de 40 anos, pelo menos uma vez por ano. Se tiverem algum fator de risco importante, como a história familiar da doença, o controle precisa ser mais frequente.
Drauzio – Isso quer dizer que, a partir dos 40 anos, a pessoa deve fazer uma consulta anual ao oftalmologista mesmo que esteja enxergando bem?
Alberto Betinjane – Essa é a conduta ideal, porque a pressão intraocular pode descontrolar de uma hora para a outra. Se o médico detectar a doença numa fase inicial, pode interferir para evitar complicações graves no futuro.
PROGNÓSTICO
Drauzio – Qual o prognóstico do glaucoma?
Alberto Betinjane – De modo geral, o prognóstico é bom para a maioria das pessoas, mas está relacionado com uma série de fatores, entre eles, o controle evolutivo da doença que tem de ser muito bem feito. Quem tem glaucoma não pode pensar que o fato de estar usando a medicação garante proteção contra um agravamento da doença. Às vezes, com o passar do tempo, determinado medicamento perde a eficácia e é preciso trocá-lo por outro ou associar dois ou três. Se a resposta não for satisfatória, temos a possibilidade de mudar o enfoque e recorrer ao raio laser e, em último caso, à cirurgia.
Drauzio – Por que em último caso à cirurgia? 
Alberto Betinjane – Porque a cirurgia implica sempre algum risco, tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório tardio e, muitas vezes, não traz os resultados esperados. Por isso, evitamos o procedimento cirúrgico desde que a doença seja controlada por meios clínicos e não cause prejuízo para a qualidade de vida do paciente.
Drauzio – Quer dizer que é possível ter glaucoma e manter a visão normal por anos, desde que o indivíduo faça o tratamento adequado e visite periodicamente o oftalmologista. Você acha que os médicos estão preparados para fazer o diagnóstico nas fases iniciais da doença?
Alberto Betinjane – A maioria dos oftalmologistas tem condições de detectar a doença e evitar que o quadro se agrave. Infelizmente, há situações que impedem o maior envolvimento do médico com determinado paciente e, às vezes, ele deixa de pesquisar a fundo um sinal indicativo de lesão que avançará um pouco e só será detectada mais tarde. De modo geral, porém, isso não acontece.

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