terça-feira, 25 de setembro de 2012

COMO FUNCIONA O TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS

Entenda o que é o transplante de órgãos e conheça suas vantagens e desvantagens.

O primeiro relato de um transplante de órgão data do século II A.C. na Índia. Desde essa época já se transplantava pele de uma região do corpo para outra como tratamento de queimaduras e feridas graves.

Porém, o transplante de órgãos entre indivíduos diferentes só foi possível a partir do século XX. Depois de séculos de fracassos, o primeiro transplante de sucesso ocorreu em 1954 nos E.U.A. Foi um transplante renal realizado entre 2 irmãos gêmeos idênticos.

Transplante de órgãosNesta época já se sabia que o sistema imune impedia a troca de órgãos entre seres, e a inexistência de protocolos de drogas imunossupressoras limitava os transplante à aqueles que possuíam irmãos gêmeos. Como se sabe, gêmeos idênticos são geneticamente iguais, assim como um clone.

Na mesma década de 1950, duas novas drogas imunossupressoras foram descobertas. Os corticóides (cortisona) e a azatioprina passaram a ser usadas, abrindo espaço para a evolução do transplante entre indivíduos diferentes.

Como ocorre a rejeição?

O transplante de órgãos é talvez o procedimento mais "anti-natural" da medicina. Se há algo que a natureza não está preparada é para a troca de órgãos entre seres. Na verdade, milhões de anos de evolução jogam contra esse procedimento. Todos os seres que vivem no planeta, só estão vivos pelo fato de seus organismos terem aprendido a reconhecer e a combater células e moléculas estranhas que invadam nosso organismo. O corpo humano (e o de milhares de outras espécies) aprendeu que tudo que vem de fora é potencialmente fatal e deve ser combatido. E isso foi verdade até o momento em que o homem resolveu transplantar órgãos.

Nosso sistema imune é programado, desde a época embrionária, para diferenciar os genes de nossas células dos genes de organismos invasores. O nosso corpo não sabe distinguir o que é perigoso do que benéfico, por isso, se comporta da mesma maneira com um órgão transplantado ou com uma bactéria. Ele apenas ataca tudo que não for "original de fábrica".

Existe um grupo de genes nos humanos, chamado de HLA, que são os responsáveis por essa diferenciação entre o que é nosso e o que é estranho. É como se esses genes colocassem um crachá com foto em todas as nossas células.

Toda vez que uma célula de defesa circulante no sangue (glóbulos brancos) encontra uma célula com um "crachá" diferente, soa um alarme no sistema imune que convoca um batalhão de outros glóbulos brancos para atacar e destruir este ser invasor.

A chamada rejeição do transplante nada mais é do que nosso sistema de defesa destruindo um órgão transplantado. Para o nosso sistema imune, aquele rim ou coração transplantados, são um conjunto de células invasoras que podem estar colocando nossa vida em risco. A ordem é simples: destruir tudo que for diferente ao que existia quando nascemos.

Como gêmeos idênticos são geneticamente iguais, o organismo o reconhece o órgão transplantado como próprio e não como um invasor.

Todos os doentes transplantados, portanto, precisam ser medicados com drogas que inibam nosso sistema imune. As drogas basicamente deixam as células de defesa confusas. Elas olham um "crachá" diferente mas não notam a diferença, ou notam mas não conseguem convocar reforços para atacar o invasor.

Isso é muito bom para o órgão transplantado, mas é péssimo caso aconteça uma invasão por bactérias ou vírus. O desafio da medicina é impedir a rejeição do órgão sem atrapalhar o sistema de defesa contra germes invasores. Por isso, o transplante é um procedimento extremamente complexo.

As drogas atuais agem no sistema de defesa mas não consegue enganá-lo por muito tempo. O processo de rejeição é lentificado, mas sempre ocorre. Nos primeiros transplantes realizados no início do século XX, a rejeição ocorria imediatamente sem que o órgão sequer funcionasse. Há alguns anos, as drogas conseguiam evitar a rejeição por pouco tempo. Até o final da década de 80, a maioria dos pacientes perdia o órgão transplantado com 1 ano. Hoje em dia, um transplante é considerado um sucesso se durar pelo menos 10 anos. Existem casos de pessoas com até 30 anos de transplante.

Todo doente transplantado precisa tomar medicamentos imunossupressores para o resto da vida.

Quanto mais parecido geneticamente forem o doador e o receptor, menos drogas serão necessárias e mais tempo o órgão transplantado costuma durar.

Receber um órgão de um irmão, mesmo que não gêmeo, é melhor do receber um órgão de um pai, que é muito melhor que receber um órgão de um primo, que por sua vez é melhor que receber um órgão de uma pessoa sem nenhuma relação familiar. Quanto mais distante geneticamente forem o doador do receptor, mais intensa é a resposta imune.

Antes de todo o transplante é realizado então o mapeamento genético do doador e do receptor. Quanto mais genes da classe HLA em comum existir, maior é a chance de sucesso de um transplante.

Além do HLA, o tipo sanguíneo também é importante para o transplante. As mesmas regras da transfusão sanguínea, valem para o transplante de órgãos.

  • se o paciente tem tipo sanguíneo O, só poderá receber órgãos de pessoas com o sangue tipo O;
  • se o paciente tem sangue tipo A, poderá receber órgãos de pessoas com o sangue tipo A ou O;
  • se o paciente tem sangue tipo B, poderá receber órgãos de pessoas com o sangue tipo B ou O;
  • se o paciente tem sangue tipo AB, poderá receber órgãos de pessoas com o sangue tipo AB, A, B ou O;
Neste caso, o fator RH (tipo negativo ou positivo) é pouco importante.

Como se escolhe o doador?

Obviamente alguns transplantes como coração e pâncreas só podem ser realizados por doador morto. Não se pode tirar o coração ou pâncreas de ninguém. Porém, no caso do transplante renal, uma pessoa viva pode ser doadora. Conseguimos viver perfeitamente apenas com um rim. Isso favorece a doação entre familiares e faz com que o transplante renal seja o que tenha maior taxa de sucesso.

Muitas vezes um paciente a espera do transplante tem vários doadores na família. O que fazemos é mapear geneticamente todos eles, e ao final, aquele potencial doador que for geneticamente mais parecido como receptor será o doador preferencial. Se por algum motivo aquele doador preferencial tiver algum problema e não possa doar, passamos para o segundo mais compatível, e assim por diante.

O transplante realizado entre vivos não tem fila. Ele é feito assim que se conseguir um doador voluntário e todos os exames pré-operatórios estejam prontos. Esse processo demora em média 6 meses se não houver nenhum problema.

Quando o paciente não tem doadores voluntários ou quando o transplante é de algum órgão que não permita a doação em vida, o processo é diferente. Enquanto que no transplante entre vivos escolhe-se o doador, no transplante cadavérico, quem é escolhido é o receptor. Explico.

Todos os pacientes que encontram-se na fila de transplante passam pelo mapeamento do HLA. Seus dados ficam em um rede informatizada controlada pela instituição responsável pelo transplante de órgãos. Quando há confirmação de morte cerebral de um potencial doador, a equipe de transplante é acionada para fazer o mapeamento genético deste doador cadáver. Este HLA é então jogado no banco de dados informatizado que automaticamente seleciona entre todos na fila, aquele que é geneticamente mais parecido com o doador falecido. Neste momento o doente escolhido recebe uma ligação do centro de transplante informando que ele será transplantado nas próximas horas.

Existe ainda um exame chamado de teste de compatibilidade ou "cross-match". Mistura-se o sangue do doador com o do receptor para ver se alguma reação que indique a presença de anticorpos pré-formados contra as células do doador. A presença destes anticorpos contra-indica o transplante com esse doador sob o risco de uma rejeição fulminante, não importando o quão semelhante é o HLA.

É seguro ser doador de órgãos?

Existem alguns mitos e preconceitos em relação a doação de órgãos.

Algumas famílias usam motivos religiosos para não autorizar a doação. Na verdade, não há nenhuma religião, nem mesmo as testemunhas de Jeová (deixou de considerar o transplante de órgãos como canibalismo em 1980), que se oponha ao transplante de órgãos.

Não sou religioso, mas acho difícil imaginar que Deus prefira ver um órgão apodrecer e servir de alimentos para vermes, do que fazer com que o último ato de um ser humano seja salvar uma ou mais vidas, tirar pessoas das máquinas de hemodiálise ou devolver a visão a quem não enxerga. Difícil defender que um ato de tamanha bondade seja errado.

Algumas pessoas temem que a retirada de vários órgãos deforme o corpo doente falecido. A remoção dos órgãos deixa a mesma cicatriz que uma cirurgia deixaria. Não há nenhuma diferença para o velório, que pode ser inclusive com urna aberta.

Existe também um medo de que os médicos não se esforcem para salvar um doente sabendo que este é um potencial doador. Isso é um absurdo! Os médicos que trabalham nas emergências não têm qualquer relação próxima com as equipes de transplantes e não recebem nenhum tipo de incentivo ou vantagem se houver uma doação de órgãos.

Além disso, durante o procedimento de ressuscitação, quase nunca temos conhecimento de detalhes do histórico clínico do doente para sabermos se este poderia ser doador ou não. Só depois de constatado a morte cerebral é que o paciente passa pela bateria de testes para avaliar a possibilidade der ser doador. E a maioria das pessoas mortas não servem para doadores.

Existe um outro mito, que fala sobre o tráfico de órgãos. Quem nunca recebeu o e-mail do cara que acordou em uma banheira de gelo sem os dois rins. O transplante de órgãos é um dos procedimentos mais complexos da medicina. A quantidade de profissionais e material necessário e muito grande. Não é um aborto que pode ser feito em qualquer "trambiclínica". Além disso, um órgão retirado desta maneira não passaria pela tipagem do HLA e pelo cross-match já que não é qualquer laboratório que tem capacidade para realizar esse exame. Um processo destes envolveria uma quantidade enorme de pessoas o que provavelmente nem seria lucrativo para os marginais.

O diagnóstico de morte cerebral é confiável?

Há também o receio de que um diagnóstico errado de morte cerebral possa desligar os aparelhos de uma pessoa ainda com chances de recuperação. A morte encefálica é um processo irreversível. Os protocolos para sua confirmação são rigorosíssimos. São inclusive realizadas pesquisas de drogas que poderiam simular uma falta de função cerebral.

Transplante morte cerebralUm dos exames realizados é a angiografia cerebral, onde se detecta a falta de vascularização no cérebro. Reparem na foto ao lado. A imagem da direita mostra um cérebro normal com vários vasos irrigando o cérebro. Comparem com a imagem esquerda, onde não se nota nenhum tipo de irrigação sanguínea. Este segundo é um cérebro morto.

A morte cerebral é um diagnóstico irreversível.

Drogas imunossupressoras

Hoje em dia temos um arsenal de drogas com potencial imunossupressor. Quanto mais distintos forem os HLAs do doador e do receptor, mais drogas e maiores doses são necessárias para se evitar a rejeição.

Excetuando-se os gêmeos idênticos, todos os transplantados deverão tomar drogas imunossupressoras para o resto da vida. Nos primeiros meses as doses são mais altas, diminuindo progressivamente ao longo do tempo, sem nunca, porém, suspendê-las definitivamente.

Em geral, usa-se uma combinação de 2 ou 3 das seguintes drogas:

- Ciclosporina
- Tacrolimus
- Azatioprina
- Micofenolato mofetil (MMF)
- Rapamicina (Sirolimus)
- Corticóides (leia: INDICAÇÕES E EFEITOS DA PREDNISONA E CORTICÓIDES)

Como era esperado, os pacientes transplantados apresentam uma sistema imune comprometido. São pacientes mais propensos a infecções e sepse (leia: O QUE É SEPSE / SEPSIS E CHOQUE SÉPTICO ?), e ao surgimento de neoplasias, já que o nosso sistema imune muitas vezes consegue reconhecer uma célula cancerígena inicial e eliminá-la (leia: CÂNCER (CANCRO) - SINTOMAS E DEFINIÇÕES).

Além do uso contínuo de drogas, o transplantado deve ser seguido regularmente pela equipe transplantadora, com consultas frequentes para se tentar avaliar a função do órgão transplantado e identificar precocemente sinais de rejeição.

Quais são os órgãos e tecidos mais usados para transplante ?

- Coração
- Pulmões
- Rins
- Pâncreas
- Fígado
- Intestino
- Estômago
- Pele
- Córnea
- Medula óssea
- Ossos

Leia o texto original no site MD.Saúde: COMO FUNCIONA O TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS http://www.mdsaude.com/2009/08/transplante-de-orgaos.html#ixzz27XLwn5eE

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